segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Adeus.

Há tanta romantização nesse mundo de tudo que nos é tóxico, limitador, agressivo e excludente.
Romantizamos o capital, as armas, o álcool, a posse, os muros... Romantizamos o poder e até matamos por ele.
Passamos pelos irmãos abandonados nas calçados e simplesmente ignoramos para não nos atrasarmos, somos tão escravos!
Abandonamos o amor por pura vaidade e egocentrismo, achamos que sozinhos seremos mais, iremos mais longe e venceremos o sistema.
Não, não há salvação para nós. Somos tão egoístas e estúpidos!

Sabemos do inevitável fim e ainda assim não nos redimimos.
Quem saberá explicar em que linha evolutiva tudo desviou-se do natural e lógico, e resultamos nós para desgraça do Mundo.
Seguiremos, dia após dias, destruindo tudo o quanto for possível, até o momento final em que nenhum remorso poderá alterar os fatos.
Uma vida que poderia ter sido e não foi por pura romantização da nossa solidão.
Não tornaremos a nos ver, é fato. Estamos demasiadamente atrasados para o nada.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Elevação.
Palavra;
Poesia;
Mantra;
Sentido;
Soneto;
Poema;
Terceto;
Quarteto;
Cantiga;
Gíria;
Letra;
Verso;
Rima;
Hino;
Refrão;
Palavrão;
Oração;
Ode;
Expressão;
Composição;
Sermão;
Declamação;
Declaração;
Intimação;
Hino;
Exaltação;
Som;
Alucinação;
Inefável
Som
Do
Coração
.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Poeta.

Sou poeta,
Aprendi desde menina
Percorrer os espinhos
Para chegar às pétalas;
Sou poeta,
Atravesso as pedras
Faço-me de poeira
Para chegar ao topo;
O Olimpo dos deuses
Onde tudo é poesia;
E meu verso é de sol
Onde tudo é escuridão;
Sou poeta,
Desde menina
Fiz da palavra
Minha salvação.

A imagem pode conter: Mariana de Almeida, sorrindo, árvore, close-up e atividades ao ar livre

Psico Cotidiano.

Mais uma vez lá ia ela ao mercado com pouco dinheiro e para comprar coisas desnecessárias, era tão insignificante o vício de continuar existindo. Nada que pudesse salvar-lhe a saúde da doença, o pensamento da lucidez e nem nada que pudesse salvar-lhe do abismo que pulara em alguma tarde inescrupulosa da vida.Mais uma vez encontrava-se à noite na fila do mercado com uma enorme vontade de sair correndo, largar tudo, fugir mesmo.Mas pensou no vexame, no gozo dos fascistoides e então guardou a angústia no peito e enquanto contorcia-lhe os dedos, aguardava a sua vez.Pão, frios, vinhos, cigarros, lixas de unhas, algumas verduras, chocolates para as madrugadas e um sabonete novo de rosas que lançaram, nunca se sabe...Tentava se lembrar de algo importante, forçava o pensamento, nunca criava o hábito de fazer listas de compras e assim é óbvio que sempre se esquecia de alguma coisa. Depois queria morrer por ter que voltar ao mercado e passar novamente por toda a via crucis.
"Ah, um quilo de carne!
Eu sei, eu sempre me traio.
Mesmo vendo um cavalo ser açoitado em plena rua no século vinte e um, eu ainda desejo comprar carne!
Eu sou uma filha da puta que não vale nada!
Eu sou a desgraça deste mundo e eu mereço padecer nessa fila interminável e pagar por ela o dinheiro que não tenho.
Eu mereço ser açoitada por todos os bancos em praça pública porque eu não valho nada, eu não mudo nada nunca!
Eu não grito o meu Não nessa fila maldita!
Eu permito a morte! Eu valido assassinatos! Eu sou o que há de pior no mundo!"
Pensamentos assim ocupavam sua mente enquanto lentamente a fila caminhava.
"Se ao menos eu pudesse dar um sinal
Se ao menos alguém me olhasse
Se alguém visse os meus olhos
Se ao menos nós nos falássemos
Será que poderíamos?
Será?"
Próximo, por favor!

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

Para Cora Carolina*

Porque hoje decidi ser só amor
Porque hoje decidi cozinhar doces
Porque hoje decidi cantar com os pássaros
Porque também hoje decidi calar e sorrir mais
Porque hoje descobri que minha dor cabe no bolso
Enquanto a dor do mundo não cabe em mala nenhuma
Tenho um coração enorme que bate no lado esquerdo
Tem ritmo próprio o sangue bombeado em minha vida
Tem amor demais em minhas células que vencem tumores
Tem poemas demais escondidos no silêncio da minha voz
Alguns, rebeldes, escapam de mim
E ganham o mundo;
Às vezes parecem sonhos
Em vitrines de padarias.
São feitos de fogo e açúcar
Os poemas que faço.

A imagem pode conter: bebida e comida

Uma maldade qualquer.

Às vezes a gente está tão sozinho
Às vezes a gente está tão triste
Tão sem esperança de vida;
Que até um pequeno abuso
Um pequeno insulto
Um pequeno delito
É esperança de carinho;
Pensava que seu abuso
Era só um amor torto ...
Desses que um dia se endireita.
Por fim, entendi
Que amor é outro fim.

A imagem pode conter: flor e natureza

A sede do Peixe.

Ser peixe
Onde o solo é seco
Ser peixe
Onde o ar é tóxico
Ser peixe
Onde o horizonte está turvo
Ser peixe
Onde a mata está sepultada
Ser peixe
É morrer de sede
Em frente ao mar
Morto.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Sobre sonhos.

Matam sonhos diariamente
Eles não sabem que é inútil
Os sonhos nunca morrem
Quem morre é o homem.

Sobre escrever.

Me perguntaram o que é escrever e eu sinceramente não sei... Assim como não sei o que é a arte, o que é o amor, o que é a beleza, sei que existem e que me sustentam viva, mas não há definição concreta.
Tem dias que escrever é a minha salvação, assim como em outros dias é a minha maldição. Vomito minha beleza e meu veneno e não há premeditação, simplesmente acontece.
Creio que escrever me salva da loucura, portanto, vez ou outra compartilharei algo aqui com vocês.
Minha gratidão a todos.

(Mariana de Almeida)

terça-feira, 25 de junho de 2019

Classe média.

Cá estou
Entre a perifa e a elite
Muda...
Sem voz alguma
Para me redimir
Da minha classe
Do meu esgoto
Da minha dor;
Classe média é o limbo,
Classe média é o câncer.
Classe média é a esquina
Do crime
Da noite
Do adeus que nunca daremos;
E a luta de classe foi o sonho
Que não despertou.


A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, planta, flor e natureza

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Basta!

Política? Basta! Me retirei...
Lutei demais
Falei demais
Defendi demais
Nada cessou a onda gigante do mar;
Mar se revolta
Mar invade
Mar fica de ressaca
Mar tem maré cheia
Mar recua
Mar tem maré baixa
E no fundo a transformação
Movimento contínuo
Semente de revolução
Tsunami em pleno verão
Arrebentando tudo
Invadindo terras
Praias e civilizações;
Coração marítimo
É o coração do poeta
Que naufraga antes do cais.

Folhetins.

Morram todos com suas respostas perfeitas de como é simples dizer sim;
De como é fácil renunciar à dor, aos dias, ao caos da cidade fascista;
Como é fácil debochar de tudo para os outros; 
Como é fácil contar uma versão de tantos fatos;
Como é fácil julgar o que não se escolhe;
As coisas não ditas são as mais perturbadoras;
Remoem na cabeça antes do sono;
Transformam tudo em espetáculo, em circo;
Você ingênuo, acredita em bondade e solidariedade, enquanto gargalham...
Alguns elos deveriam ser sagrados
E não compartilhado...
Talvez essa seja a resposta de tudo...
Cumplicidade e intimidade expostas em folhetins virtuais
Da nossa ilusão real.

Foda-se!

Foda-se o preço do dólar,
Eu estou doente e não me importa
Foda-se a queda dos imóveis,
Eu estou doente e não me importa
Foda-se que perdi o Masterchef,
Eu estou doente e não me importa
Foda-se você e seu carro novo
Foda-se todos os seus problemas
Foda-se tua solidão impenetrável
Sua angústia inexplicável de tudo
Seu ponto de vista inconcebível,
Foda-se sua teoria da conspiração
Dos Deuses e da ausência de todos eles,
Foda-se sua necessidade de ser correto
Num mundo determinado por algorítimos incertos...
Foda-se tudo isso que nunca me interessou
Eu estou doente e não me importa mais
Fingir que algo me importa para poder pertencer
Eu nunca coube em nenhum espaço mesmo
Agora eu estou doente e a imensidão me corteja
Disfarço até onde posso, nunca sei se já estou pronta
Mesmo nas relações mais tóxicas, dizer adeus me doeu,
Sempre me apeguei a qualquer pedaçinho de atenção
Agora estou doente, talvez consiga vencer o câncer
Já o tédio ou o fascismo das ruas eu não sei
Viver me doeu desde muito cedo.


(Mariana de Almeida).




sexta-feira, 17 de maio de 2019

Mulher.

Não se nasce mulher, eu sei
Tornamo-nos mulheres
À medida que crescemos
E aprendemos a andar pelo mundo
E já desde bem pequena aprendemos
A ocultar nossa beleza, a fechar nossa perna
A medir nossas palavras, a baixar nossa voz
A olhar para trás, a não responder ou zombar
A pensar primeiro nos outros, a recuar
A não encarar nos olhos de alguns homens,
A mudar de calçada, a baixar mais a saia,
A desviar da esquina, a relevar assobios
A não repetir o prato, a lavar toda a louça
A estudar mais, a tolerar mais, a perdoar mais
Sobremesa, nem pensar! Não podemos engordar
Discutir, nem pensar! Não podemos incomodar
Viajar sozinha, não! Não podemos nos arriscar
Trocar o pneu do carro, não! Não temos aptidão
Amar outra mulher, não! Não podemos ser sapatão
Amar várias pessoas, não! Não podemos ser vadias
Ganhar mais que o marido, não! Não podemos aceitar isso
Ser solteira para o resto da vida, não! Não podemos ficar sozinhas
Detestar crianças, não, o que é isso? Todas devemos ter filhos
Falar de política no trabalho, não! Não podemos correr riscos
Ser mulher é usar toda a inteligência emocional para driblar a sorte
Tudo o que nos move instintivamente é o nosso desejo ancestral
De permanecermos vivas; completamente vivas e lúcidas
Nós já apanhamos muito, já nos negaram todo o tipo de sorte
Já fomos queimadas vivas em fogueiras, já fomos abandonadas
Já fomos estupradas, assassinadas, violadas e roubadas
Não se nasce mulher, eu sei
Não se nasce mulher, eu sei...

Ser mulher e não se comportar como mulherzinha, não!
Como ousa negar toda tua doutrinação de mulher?
Como deseja ser respeitada por toda sociedade, então?
Como renega o teu mais sublime privilégio de ser mulher?
Mulher, tu és o esteio dos lares, da famílias e do patriarcado
Tu és nossa joia mais preciosa, nossa papoula do deserto
Nosso lírio da paz, nossa carne mais quente para nos abrigar
O que mais poderia desejar, Mulher?
Mulher, redime-se enquanto há tempo
Não manche teu nome com ingratidão!
Recolha-se e peça perdão por tua tentação
De rejeitar ser uma maldita Mulher!


(Mariana de Almeida).












terça-feira, 14 de maio de 2019

Mãe:

Não me esqueço,
Daquelas palavras, não me esqueço
A palavra certa na hora incerta
Pode previnir desatres, apagar faíscas
Dar abrigo ante ao abandono noturno;
Não me esqueço,
Daquele aceno, aquele sorriso
Ao meio dia no meio da rua
Entre os carros na avenida que incitam
Um passo à frente e a vida ficaria para sempre;
Não me esqueço;
De todos os vazios escuros, céu opaco
Nós sozinhas, era noite, era dia
Um uivo irrompia nossa casa, nossa vida
E nós sozinhas diante do abandono, do medo
Não eu não me esqueço;
De quanto preciso esquecer todo aquele tempo
Toda aquela mágoa corrosiva que enferruja a vida
Toda aquela mancha em nossa história bordada no pano de prato
Todo aquele grito contido, abafado....assassinado.
Mãe, eu não queria ter dividido contigo
Aqueles piores dias
Onde a nossas únicas promessas
Eram tragédias.
Mãe, contigo eu só queria a palavra sol.


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segunda-feira, 13 de maio de 2019

A poesia.

Entre a realidade e a loucura
Invento com letras miúdas
Palavras que gritam
Meu silêncio absurdo;

Não, não é covardia
Nem é desprezo pelo abismo
Que insisto em pousar meu olhar
Deve ser, no fundo, só vaidade;

Antes do voo, o desejo de asas
Antes do grito, a palavra escrita
Antes do abismo, uma saída
Antes da pele, a poesia que habito.

O amor.

O amor
Foi tudo que ficou
Daquela promessa quente que fizemos;
O amor
Foi tudo o que ficou
Daquele café que dividimos pela manhã, depois do último gozo;
O amor
Foi um pensamento vago o qual dissipei junto à fumaça do cigarro
Silêncio que disse tudo, palavras estragariam o nosso último amor;
O amor é a saudade que trago no peito
Do amor que não tivemos
Do amor que não prenhamos
Embora, loucos, semeamos
A terra molhada, fértil e fonte de mel
Pari memórias do amor.



A imagem pode conter: Mariana de Almeida, close-up

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Flores.

Queria ser bonita
Sentir-me bonita
Ter a alma colorida
De flores e brisa
Um vento de dentro
Em noite de verão
Queria a pele acetinada
Como pétalas de rosas
Para ser desejada por você
Eu queria ser bonita
Eu queria sentir-me bonita
Só para ser desejada por você
Queria impregnar-te
Com meu perfume
Minhas pétalas
Meu pólen
Meus espinhos
Cravar-te na pele
Meus desejos todos
Plantar raízes
Nascer um jardim
Onde antes era só deserto
Semi-árido.

(Mariana de Almeida)





quarta-feira, 27 de março de 2019

Dica de beleza.

Pois onde não houver
Olhos que brilham
Nem sorrisos à mostra,
Disfarçadamente mude
A paisagem dos olhos
Reinicie a rota, recomece
E arrisque-se em novas paisagens;
Pise em outras calçadas
Arrisque novas roupas
Novas temperaturas
Troque a playlist da sua vida
Aqueça a sua alma
Sorria com os olhos
Toque o seu coração
E jamais encontrará essa beleza
À venda em nenhuma prateleira
De nenhuma perfumaria do mundo
Que não no fundo do espelho
Que te encara todo as manhãs.
Não desista de enxergar.

Dica de troca.

Pois onde não houver
Reciprocidade,
Afaste-se
Delicadamente,
Saibamos estar
Onde somos queridos
E não suportados.

Dica de dieta:

Pois onde não houver
Fartura de gestos,
Recolha-se
Delicadamente,
Saibamos estar
Com os que têm fome de amar,
Deixemos os miseráveis a sós
Secos por não saberem doar.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Lírios.

Depois que me mataram
Tentaram me comprar
Eu estava longe de mim
E não pude sequer reagir
Debaixo de sete palmos
De profunda solidão
Dói encontrar a luz
Uma fresta qualquer
Ceguei meus olhos
Na esperança de um dia
De novo poder te ver;

Depois que me mataram
Ainda quiseram meus ossos
Depois de quebrados
Já não doiam mais
Quiseram meus dentes
Meu sorriso talvez
Mas este guardei no fundo
Oculto do meu coração
Na escuridão ninguém viu
O maior amor do mundo
Que entregaria somente a você;

Resisti
Como flores
Que furam o asfalto
E rompem o cimento
E rompem a burocracia
E rompem o câncer
E rompem a roupa
E rompem o ódio
E finalmente rompem você
Exalando e infestando o ar
Com um doce perfume de lírio.


(Mariana de Almeida).


Olá.

Toda chegada traz no fundo da mala uma despedida; Todo novo olá traz um adeus para sempre; Ainda assim aceno com delicadeza para você.


(Mariana de Almeida)

quinta-feira, 14 de março de 2019

Penetração.

Quando você penetrou o seu corpo em mim
Também penetrou um pouco da sua dor, sua ira
Também penetrou um pouco da sua vida e sonhos
Não trocamos apenas horizontes, fluidos e saliva
Trocamos humanidade, olhos e esperança
Entre braços, abraços, bocas e pernas
Sigilosamente procuramos o amor.


(Mariana de Almeida)

Imagem: Giorivansyah.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Text.

Meu único bem
É um celular de tela trincada
Android ultrapassado
Memória esgotada
Às vezes tem créditos
Às vezes não
Às vezes trava
Justo na hora de enviar
A mensagem que poderia
Reiniciar o download
Do meu coração.


(Mariana de Almeida).

Peso.

Não é o peso do corpo, é da massa
Não é o peso da massa, é da alma
Não é o peso da alma, é da falta
Não é o peso da falta, é da calma
Para levar essa vida, dia após dia
Sem transformar em sina
O buraco na pele de cada ferida;
Não é o peso da massa
E sim dos sonhos abandonados.


(Mariana de Almeida)

Fake.

Eram tempos de mentiras
Vestir fantasias era requisito básico
Compartilhar imagens ao invés de sentimentos
Trocar status ao invés de tato
Eram tempos assim
De alienação
Ostentação
E muitos vazios
Todos tão pobres
Todos tão sós
E eu morrendo de fome
Em frente à mesa.


(Mariana de Almeida).

Grito ateu.

De Deus
   Tive só o adeus
              De cada
                 Chamado
                            Meu.


                           (Mariana de Almeida).

Ouvindo Astor Piazzola.

A vida é urgente!
Não posso esperar mais
Não posso deixar para lá
É urgente, urge, uiva, urra
É pungente!
Não posso mais negar
Quero me entregar
Quero ceder aos prazeres todos
Quero pecar, ser amaldiçoada
Ser para sempre maldita
Pela língua venenosa do povo
Deus me livre ser bem falada
No pequeno vilarejo dos humildes
Dos tristes, dos medrosos, dos ninguéns
Quero deitar-me em todas as camas
Das mais simples às mais pecaminosas
Quero desvendar-me, descaber-me
Desrebelar-me, desnudar-me, desdizer-me
Quero não ser nunca mais, nunca mais
Essa coisa medonha imposta de bons modos
Quero perder-me de amores, de afetos,
De salivas, de olhos, de mãos, de afagos
Quero a verdade, somente a verdade, a única
A definitiva, a mais cruel e impiedosa,
A seiva mortal do deleite dos teus braços
Que tanto procurei, em vão, em becos,
Em noites, em buracos, em desertos,
Em imensos vazios de dor, de corte,
De adeus, de acenos, da morte, da vida.


(Mariana de Almeida)


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Sobre os nossos dias.


   O mundo só me parece um pouco habitável enquanto estou apaixonada, seja por alguém, por algum movimento ou alguma ideia que me recarrega de energia para querer acordar e sair da cama. Sim, a paixão! Somente ela me move. O amor é traiçoeiro, chega de mansinho, vai se instalando, vai descobrindo roteiros, abrindo caminhos e invade sua casa, sua cama e sua alma. O amor me encantou, me seduziu o coração, mas me brochou profundamente quando menos estava preparada. Foram golpes sutis de humanidades que dilaceram minha alma e paralisaram minha face.

   Ah como eu gostaria de não sentir, somente ser e viver. Cada dia e cada palavra como se fossem eternas e sem que as maiores profundidades me atingissem. Não me matariam os preconceitos, as indiferenças, as pequenezas, as maldades, os deboches, os escárnios e nem a putaria sórdida. 

   O amor me fudeu justo na cabeça, me deprimiu, me reduziu ao pó estático que adormece sob os móveis. O amor me deu esperanças, me deu fome, me deu um filho, me deu saudade... Também o amor me deu ingratidão, me deu pavor, me deu tristeza e uma eterna solidão. 
   O amor tentou me matar, eu rebelde, sobrevivi às penas de qualquer outra coisa. Eu saquei a malandragem do amor quando ele mede o quanto podemos suportar por ele e eu não posso suportar mais nada, por isso sobrevivo à paixão e enquanto durar seus instantes, sobrevivo ao instinto e depois disso é a morte, é poder e controle, é logística e automação.
   Não se ama mais como Ono e Lennon, não se fundem mais em um onde existem dois ou mais.
   Quando assassinaram Lennon a sangue frio na entrada do Edifício Dakota, em New York, assassinaram um pouco da gente também.
   E continuam assassinando o amor, a liberdade, a verdade e o que poderia ser paz.
   A Guerra ainda é um baita negócio que brinca com muitas vidas, move bilhões e mata mais que amor, dizem por aí.


(Mariana de Almeida)

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Sobre escrever.

Escrever é preciso, ser lido já é outra coisa Escrever é necessidade, impulso, grito Ser lido é invasão, dedo na cara, condenação Jul...