sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Psico Cotidiano.

Mais uma vez lá ia ela ao mercado com pouco dinheiro e para comprar coisas desnecessárias, era tão insignificante o vício de continuar existindo. Nada que pudesse salvar-lhe a saúde da doença, o pensamento da lucidez e nem nada que pudesse salvar-lhe do abismo que pulara em alguma tarde inescrupulosa da vida.Mais uma vez encontrava-se à noite na fila do mercado com uma enorme vontade de sair correndo, largar tudo, fugir mesmo.Mas pensou no vexame, no gozo dos fascistoides e então guardou a angústia no peito e enquanto contorcia-lhe os dedos, aguardava a sua vez.Pão, frios, vinhos, cigarros, lixas de unhas, algumas verduras, chocolates para as madrugadas e um sabonete novo de rosas que lançaram, nunca se sabe...Tentava se lembrar de algo importante, forçava o pensamento, nunca criava o hábito de fazer listas de compras e assim é óbvio que sempre se esquecia de alguma coisa. Depois queria morrer por ter que voltar ao mercado e passar novamente por toda a via crucis.
"Ah, um quilo de carne!
Eu sei, eu sempre me traio.
Mesmo vendo um cavalo ser açoitado em plena rua no século vinte e um, eu ainda desejo comprar carne!
Eu sou uma filha da puta que não vale nada!
Eu sou a desgraça deste mundo e eu mereço padecer nessa fila interminável e pagar por ela o dinheiro que não tenho.
Eu mereço ser açoitada por todos os bancos em praça pública porque eu não valho nada, eu não mudo nada nunca!
Eu não grito o meu Não nessa fila maldita!
Eu permito a morte! Eu valido assassinatos! Eu sou o que há de pior no mundo!"
Pensamentos assim ocupavam sua mente enquanto lentamente a fila caminhava.
"Se ao menos eu pudesse dar um sinal
Se ao menos alguém me olhasse
Se alguém visse os meus olhos
Se ao menos nós nos falássemos
Será que poderíamos?
Será?"
Próximo, por favor!

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