João tinha apenas catorze anos quando foi pela primeira vez para o reformatório ou casa de detenção para menores. Quando começaram os primeiros sintomas de inadequação social? Não se sabe, talvez ainda bebê já que João chorou sem parar os três primeiros meses de vida, não havia o que fazer, a mãe não tinha leite e apesar de ser muito pobre, os poucos parentes e vizinhos se reuniam para comprar o leite em pó para o guri, aí cada um encontrava uma teoria para tanto choro: cólicas, falta do leite materno e da quentura do peito da mãe, alguma doença oculta, maus espíritos, mau agouro, má sorte, entre tantas outras invenções daquele povo. As más línguas juravam de pés juntos que era abstinência o mal do bebê, já que a mãe foi vista bebendo e fumando diversas vezes mesmo expondo a enorme barriga sem o menor constrangimento. A mãe de João tinha apenas dezessete anos quando engravidou, não tinha certeza quem era o pai, mas acabou juntando os trapos com um deles acreditando que a vida seria generosa e que até poderia ser feliz com aquele garoto de dezoito anos que daria um nome ao seu filho, sim, um nome e um sobrenome.
De lá para cá, João não obteve muita sorte na vida, outros irmãos vieram, pobreza, moravam na favela e passavam o dia praticamente sozinhos em casa, o casamento da mãe era violento, pois os pais bebiam demais, gastavam quase tudo com cachaça e cerveja, os filhos eram esquecidos e contavam com a sorte de vizinhos.
João era o mais velho dos irmãos, detestava ir para a escola, não acompanhava de jeito nenhum, não conseguia se concentrar nem ficar quieto. A família nunca participou das reuniões escolares para saber o que passava com o menino. Sempre eufórico, gaguejante, falante e de olhos arregalados, era o terror da sala de aula, pois perturbava a atenção de todas as outras crianças.
Depois da escola, João ia para casa e para a rua e foi lá onde aprendeu as piores coisas da vida: mentir, esconder, roubar, fazer favores aos garotos mais velhos, fugir da polícia...entre outras, mas tem sempre um dia em que a casa cai e foi numa dessas que João foi para o reformatório a primeira vez, depois foi a segunda, a terceira, depois para a cadeia e depois perambulava como mendigo pelas ruas do Rio de Janeiro. O pai tinha sido morto baleado há alguns anos, a mãe alcóolatra em estado decadente, os outros irmãos seguiam com a vida, a irmã era evangélica ferrenha e encontrou a salvação nas palavras do Pastor, inclusive casou com ele. A igreja a qual a irmã faz parte participa de algumas ações beneficentes como servir sopa de madrugada aos moradores de rua, oferecem abrigo para quem quer tentar uma vida nova e limpa, doam brinquedos no natal para crianças de famílias necessitadas e foi numa dessas ações que a irmã reconheceu João e ofereceu ajuda para livra-lo das ruas e das drogas. Ele aceitou, passou por cuidados, foi avaliado e diagnosticado como esquizofrênico, estava realmente doente e precisaria de acompanhamento para sempre. João foi viver nas Pastoral das Orquídeas, comunidade terapêutica mantida por doações e a ação de muitos voluntários, principalmente da igreja. Lá eles se alimentam, fazem hortas, pomares, cuidam dos animais, dividem tarefas, tem aulas de arte, assistem televisão e oram, oram muito.
A atividade preferida de João era cuidar do pomar, ele abraçava as árvores, podava, adorava ver os frutos nascendo e colhia todos quando estavam maduros, mas o seu preferido era o pé de limão o qual ele mesmo plantou. Cresceu, era lindo, cheio de folhas verdes muito cheirosas e carregado de frutos. João podia passar horas, um dia inteiro deitado sob o pé de limão só observando cada detalhe dos seus troncos, folhas, formigas que passavam, passarinhos que faziam ninho escondidos, o vento balançando as folhas e exalando ao mundo seu perfume de limão. A vida estava sendo razoavelmente boa pela primeira vez com João e ele sabia disso, pois apesar de não dizer nada, sorria timidamente quando o chamavam pelo seu nome: João! O João!
João, depois de anos, ficou conhecido como "João do pé de limão", segundo consta, sua vida sempre foi amarga como limão, mas nunca, jamais florida e tão verde.
(Mariana de Almeida)

Nenhum comentário:
Postar um comentário