quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Netuno

Dos filhos que não gerei, sinto falta somente daqueles que desejei gerir pelo coração. Sim, sempre quis um companheiro que militasse em diversas causas humanitárias comigo e a adoção de crianças foi um dos  sonhos que me alimentou a existência. Seria um jeito de me sentir menos culpada? Menos hipócrita? Menos bandida nesse mundo?
Acabou que tudo deu errado e o parceiro que tive só me deu uma filha biológica a qual ele não pode cuidar nem educar, abandonou o barco e eu segui oceano adentro com minha pequena, resistindo à medida que a loucura permitia. Acreditem, resistir quando se tem carência de tudo não é a tarefa mais fácil desse mundo... Naufragamos, eu e ela, por diversas vezes em um barco tão frágil diante da ira de Netuno. Nos agarramos como deu, corpo com corpo, mãos com mãos e olhos de sal entre a imensidão do oceano. Às vezes ela me dizia que o mar era uma lágrima do menino Deus, o gigante que tudo via e sabia de nós. 
Não sucumbimos, muitas vezes boiamos até alguma praia segura em busca de abrigo e alimento, mas sempre juntas, entre um pôr e nascer de sol constante.
Netuno enfim se redimiu, não nos arremessou na escuridão do fundo do mar, nos adotou como filhas legítimas regidas por ele.
Agora caminho descalça sobre o asfalto e a areia quente.... não dói, e ao fechar os olhos ainda ouço o barulho das águas inquietantes do mar.
(Mariana de Almeida).

A imagem pode conter: 1 pessoa, céu, nuvem e atividades ao ar livre

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