terça-feira, 26 de junho de 2018

Lorotas.

   João Marcos era desses homens que queriam ser legais demais, gentis demais, engraçados demais, entendidos de tudo demais, filosóficos demais, exagerados demais e claro, cansativo demais. Para ele tudo tinha que ter uma longa história, o café, o vinho, a massa, o chocolate, os perfumes, os temperos, os remédios, as ferramentas, os sentimentos.... ah...para ele nada podia ser claro ou prático sem antes mil questões envolvidas! E ele refletia de modo denso, intenso e no começo aquilo até tinha um certo charme, mas depois....
   João Marcos era prolixo até para dar bom dia via "whatsapp" às 07:58h da manhã e detalhe, não era uma mensagem longa de bom dia com emotions coloridos e floridos o que já seria um porre, eram áudios de cinco, seis e até de sete minutos narrando como passara a noite, quantas vezes levantou-se para ir ao toilette, o barulho do vento nas árvores, o gato que arranhou a porta, a cachorra da vizinha que latiu demais, o calor, o frio... João Marcos era assim, queria ser leal, queria dividir cada segundo que vivia longe da sua amada.
   Um dia a namorada disse que queria queijo e vinho, João Marcos comprou 3 garrafas de vinho e uma peça inteira de mussarela, mais de dois quilos de queijo, pensava que estava agradando horrores, mas a namorada pensava coisas sombrias... "Porra, mussarela! Tudo isso?!?"
   Outro dia ela disse que amava chocolates, ele correndo foi à distribuidora de doces e comprou barras de um quilo de chocolates para ela, correu para lhe entregar todo feliz aquelas montanhas de chocolates, assim era João Marcos, ele queria agradar, mas faltava-lhe requinte, um toque de sofisticação e de bom senso. Onde já se viu dar aquelas barras de confeiteiro para a pobre moça que sonhava com bombons?
   Vestia-se como um doido, não sabia se era dia ou se era noite, se estava sozinho em casa ou na rua com outras pessoas, se estava em algum evento social ou casual.... Amava música e cada uma que tocava na rádio, ele contava a história da banda e a discografia completa, sentia um orgulho imenso disso, emocionava-se, era um cabra muito bom de coração, isso não se pode negar. Mas João Marcos não muda, não tem jeito, não para com mulher nenhuma, ninguém aguenta muito tempo esse jeito falador dele. Diz que é poeta, escreve versos de amor, mesmo com o português judiado, vai conquistando o coração de algumas moças sedentas de boas histórias da vida, algumas até verídicas, mas outras, João Marcos, todos nós sabemos que não passam de lorotas mal contadas hehehe.


terça-feira, 12 de junho de 2018

Doce como fel.

Das mentiras todas
Só gosto das mais cruéis
Se não for para doer
Nem tente minha atenção
Das tuas invenções, tão doces
Azedaram meu paladar
Estragaram meu café
E brocharam meu interesse
Tua mentira desandou
Errou a medida teu melado
E azedou meu coração
Azia é o que eu sinto por você!

Do verbo ser:

Sou uma mulher de avessos, de desertos, de geleiras e verões intensos.
Sou uma mulher de muitas viagens, posso ir de norte a sul em segundos.
Fugir do leste rumo ao oeste selvagem sem deixar rastros. Não me basto, não me caibo e não me acho... Minha desordem é mais que mental, é social, é moral, é demasiadamente humana e por isso me fere.
Sei que sou estranha... me afasto dos comuns, me apego aos difíceis, detesto bons modos e detesto mais ainda deselegâncias, coleciono manias incompreensíveis, adoro incertezas e fujo dos que não me convencem à primeira vista.
Queria inverter a ordem das coisas, seria mais fácil gostar do que todos gostam e me dar por satisfeita com o pouco que ainda tenho. Queria sentir paz e não essa enorme aflição que me rouba o sono e as horas. Desejo a tua boca, meu paraíso particular, minha maldição, minha morte anunciada e redenção.
Minha sede de encontrar não sei o quê.

(Mariana de Almeida).

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, sapatos e close-up

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Do livro em branco.

Não quero expor minha miséria
Não quero expor minha frágil existência
Não quero expor meus sonhos todos que ardi em febre
Prefiro falar do tempo, do dólar, do livro, de deus
Das imensas horas nas filas do supermercado em vão
Das mães que contam suas aflições na porta das escolas para outras mães
Dos homens mudos na sala de espera dos consultórios médicos
Das fofoqueiras que contam seus casos nos salões de belezas
Por que hei de contar das noites que me foram roubadas?
Por que hei de contar como fui roubada porque era ingênua demais das doenças desse mundo?
Por que hei de contar como sofri terrivelmente calada de solidão enquanto você gargalhava estupidamente ao meu lado?
Algumas miserabilidades não se compartilham...
Levamos no peito em silêncio para o fundo da terra
E com isso apodrecemos um pouco mais a natureza.
Por que iria contar lhe dos dias que não deveriam ter existidos?
Por que lembraria dos dias que quis te matar e não matei? Deveria?
Para culpar-me do que não fiz? Ou do que nunca deveria ter feito?
Não, sigo só, ouvindo o burburinho insuportável do mundo que passa na TV
Sigo só, planejando o que farei do meu eterno silêncio que inevitavelmente encontrarei
Dia desses, serei só vastidão em alguma memória do tempo.


(Mariana de Almeida).

São Paulo.

São Paulo
Fria, triste, cinza
Concreta como eu
Desigual como eu
Debaixo de cada viaduto robusto
Guarda gente frágil como eu
Guarda o frio gélido das madrugadas como eu
E guarda um rio de lágrimas quentes
Que inundam meu rosto figurante;
São Paulo
Me entristece profundamente
Porque onde guarda tesouros capitais
Tritura retirantes cinzas vindos de galáxias cinzas
Que são deixados a sós às ruas cinzas
Entre os prédios e muros também cinzas
E sob o céu cinza da nossa Paulicéia louca elitista
Dura, fria, concreta e tão sozinha
Grita por nós para derrubarmos os muros
E semearmos, novamente, homens e cores.

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