segunda-feira, 4 de junho de 2018

Do livro em branco.

Não quero expor minha miséria
Não quero expor minha frágil existência
Não quero expor meus sonhos todos que ardi em febre
Prefiro falar do tempo, do dólar, do livro, de deus
Das imensas horas nas filas do supermercado em vão
Das mães que contam suas aflições na porta das escolas para outras mães
Dos homens mudos na sala de espera dos consultórios médicos
Das fofoqueiras que contam seus casos nos salões de belezas
Por que hei de contar das noites que me foram roubadas?
Por que hei de contar como fui roubada porque era ingênua demais das doenças desse mundo?
Por que hei de contar como sofri terrivelmente calada de solidão enquanto você gargalhava estupidamente ao meu lado?
Algumas miserabilidades não se compartilham...
Levamos no peito em silêncio para o fundo da terra
E com isso apodrecemos um pouco mais a natureza.
Por que iria contar lhe dos dias que não deveriam ter existidos?
Por que lembraria dos dias que quis te matar e não matei? Deveria?
Para culpar-me do que não fiz? Ou do que nunca deveria ter feito?
Não, sigo só, ouvindo o burburinho insuportável do mundo que passa na TV
Sigo só, planejando o que farei do meu eterno silêncio que inevitavelmente encontrarei
Dia desses, serei só vastidão em alguma memória do tempo.


(Mariana de Almeida).

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