segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Setembro.


Ela não queria mais viver, existir pesava-lhe a alma, doía-lhe o corpo já degastado, lembrar-se doía as memórias todas, os órgãos em luta, cérebro, coração e pés, não havia mais sustentação, pensava ser uma rocha talvez.

Ela queria seu direito ao voo, ser asas na imensidão do espaço, sair da órbita terrestre, quem sabe uma nova galáxia em que pudesse não sentir nenhum peso, não ser matéria, não ser consciência, não ser ninguém que um dia sofreu o abandono primário da existência. Não se pode escrever um livro sem final, nem uma vida, um dia ela pensou.

O corpo demorou muito para responder-lhe aos desejos, encontrou subterfúgios, drogas para acelerar a grande viagem, barbitúricos, álcool, televisão de domingo, noticiários populares, novelas de folhetins, casos de famílias e outras deformações.

Foram anos de distanciamento, reclusão e solidão. Nunca quis falar a respeito ou buscar ajuda especializada. Doía, doía muito. Terapias holísticas, budismo, grupos anônimos, uma religião, cabala, quem sabe? Não! Nada. Bastava esperar que a morte lhe encontraria.

Um dia ela não amanheceu, foi na penumbra da madrugada conquistar a imensidão espacial, deixou corpo, deixou copo, deixou casa, deixou filhos, deixou cachorro e deixou marido. Tinha na face um semblante tão sereno, quase engraçado. Estava livre, leve e parece que até feliz. Há anos não a via assim, aceitei, desejei uma linda viagem e com carinho roguei: Acenda no céu toda a luz que te apagaram na Terra!

Era Setembro, não sei se amarelo, azul ou lilás...mas era Setembro e uma nova primavera se anunciava inevitável em minha vida. Um novo jardim se refaz em meu coração e o vento traz saudades, paz e resignação.

Aceito, molho e floresço.

Sempre verei flores em você.


(Mariana de Almeida)








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