terça-feira, 25 de agosto de 2020

Céu Azul.

    Acordei, ou pelo menos penso que sim. A visão é embaçada, tudo ao redor parece incerto, não sei se é hoje ou ontem ou quem saberia? Isso não deveria importar tanto, o fato é que ainda existo, dói meu corpo e preciso levantar-me. O céu está tão azul, não um azul habitual e sim um azul excepcional, profundo, em camadas e ao mesmo tempo sério, conciso, tão sóbrio... Há um incomodo no peito, uma pigarra, uma tossinha seca e irritante, serão os novos ventos? Não sei, esse azul me intriga e essa pigarra também, são tempos de incertezas e desconfianças. Um pouco de cinza cairia bem para começar mais esse dia de pandemia. Quantos mortos teremos até o final desse dia? Por que mais ninguém se importa? Por que tanto faz se houver mil ou um mil trezentos e cinquenta e três mortos hoje? E se estivermos nessa contagem hoje ou amanhã? Ninguém se importa, é isso.

   Sabe o que mais me revolta em morrer agora? Não ter dito tudo o que eu queria às pessoas, nunca disse nada quando elas me machucaram, foi o famoso: "Deixa para lá, isso não vale a pena...blá blá blá..." Também me revolta não ter dito porque deixei de amá-las, porque desisti de enviar mensagens, desejar feliz aniversários, rir de piadas, debater sobre novos filmes e séries, mostrar o óbvio da vida. Algumas pessoas fizeram um esforço enorme durante toda a vida para nos ferir, impondo verdades idiotas, pensando nas aparências, mesmo sem nunca terem cuidado das suas próprias. Algumas pessoas nem fecham a boca para mastigar suas comidas gordurosas enquanto falam mal de outras pessoas em pleno almoço, as pequenas torturas da vida. Fico feliz em me libertar delas, mas ainda com muita revolta de ter perdido meu tempo de vida assim. Que almas sombrias!

   Senti tanta culpa por decepcionar essas pessoas, acreditam? A vida passando e eu, ao invés de tentar desesperadamente ser feliz com os meus princípios e valores, preferi fingir. Agora bem feito! Veio a pandemia com uma doença fatal esfregar na minha cara a grande idiota que sempre fui, perdi minha vida pensando no que os outros que não eram felizes nem sábios, pensariam sobre mim! Pois uma pandemia é pouco para mim, mereço, no mínimo, duas ou três!

   O céu continua tão azul, sem nuvem, só a fumaça do meu cigarro que se dissolve ao ar e mantém o azul desse dia. O café está quente e é a melhor companhia desse mundo. Penso em você, e em como eu te desejei, como guardei cada risada sua nas melhores lembranças... Nosso amor sempre aconteceu no futuro do pretérito, aceito.

   Já lavei os olhos, apago o cigarro junto ao último gole desse café, um pouco de xarope de mel e própolis para começar o dia vai bem, penso que ainda não será hoje o adeus de tudo, resistirei. Ganho mais esse dia, o céu está tão azul, vocês deveriam ver também, está lindo! Um avião corta o azul rumo ao infinito e tudo se torna realidade. Estou viva!


(Mariana de Almeida).


Lutar por um céu azul e uma vida feliz! - O céu sempre é azul ...

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Não provoque!

Se o mundo
É isso que aí está
Eu dispenso
Sinto muito!
Agradeço
A arte que me toca
O meu mundo
É cor de rosa
Choque!

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Eu sou mulher

Ainda antes de descer os degraus do Inferno
Ela disse-me para arrumar os cabelos
E molhar com tinta os lábios da ilusão
Disse-me para tingir de sangue as unhas todas
E também para abrir os botões da camisa
E insinuar os seios à frente como faroletes;

É preciso saber seduzir para ser uma mulher
Essas foram as últimas palavras ditas por ela
Antes de dirigir-me à porta de saída de emergência
Meu peito tamborilava, descompassado e pétrico
Ao som de sua risada mórbida e língua salivante
À espera de minha grande queda;

Não caí, agarrei-me ao corrimão da razão
Não ajeitei os cabelos ressecados, bravos
Também não lambuzei os lábios com batom
Nem empinei os seios fartos à luz da pretensão
Eu sou mulher, eu sei, de Maria, Eva e Clarice
Eu sou luz na escuridão, venho de longa alcatéia;

Eu sou mulher, eu sei...
Desde pequena tentaram me domesticar
Meu sexo antes da minha razão
Meus lábios antes das minhas palavras
Só desço ao Inferno quando o fogo sou eu
Eu sou uma mulher, eu sei...


(Mariana de Almeida)


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Exchange

Nossas mentiras

Eram nossas moedas de troca

Quanto vale no câmbio hoje

A nossa última traição?

Demos sorte

Ficamos ricos

No mundo das aparências

Verdade e lealdade

Seguem em baixa cotação.


(Mariana de Almeida)


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Não

Não me prometa
O que nunca será capaz de cumprir,
Não me prometa o céu
Quando não consegue nem flutuar sobre a terra,
Não me prometa um livro sem palavras,
Não, não queira me iludir
Pois sei quem você é,
E quem nunca poderá ser,
Além de promessas
Palavras
Desejos
Vazios
Fim.


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Mar morto

Ter resistido à uma depressão,
Me deu força para sobreviver à segunda
E depois dessa, se outras vierem,
Sei que sobreviverei!
Como peixe aflito em um mar inconstante
São ondas que vem,
Às vezes forte, prenúncio de um tsunami
Vem, devasta, e de novo se reorganiza,
Pois o sol sempre volta na manhã seguinte,
O mar novamente se acalma e tarda
Finalmente velei o passado de mim
Enterrei as memórias que alimentava
Renasci do meu próprio ventre
Minhas ancestrais celebram
Celebremos todas!
Volto do fundo do mar
Agora para a floresta
Dançar mais uma vez
Sob o signo do fogo
De ser mulher mais uma vez
E vencer a morte
Dancemos todas!


(Mariana de Almeida)


Imagem: Giselle Itié no fundo do mar.


A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, nadando, atividades ao ar livre e água

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, texto que diz "Não passarão. Na manha Na força Να marra Ou aporrada vida te joga na estrada, É matar ou morrer Cada dia ação Cada dia ilusão Cada dia ração, Eu que tanto apanhei Aprendi bater Aprendi a tar Aprendi afiar Meus versos como navalha Να cara dos canalhas; sobre mim não passar ão Impunemente Sem sangrar coração Mar riana de Almeida"

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Escrever é preciso, ser lido já é outra coisa Escrever é necessidade, impulso, grito Ser lido é invasão, dedo na cara, condenação Jul...