Acordei, ou pelo menos penso que sim. A visão é embaçada, tudo ao redor parece incerto, não sei se é hoje ou ontem ou quem saberia? Isso não deveria importar tanto, o fato é que ainda existo, dói meu corpo e preciso levantar-me. O céu está tão azul, não um azul habitual e sim um azul excepcional, profundo, em camadas e ao mesmo tempo sério, conciso, tão sóbrio... Há um incomodo no peito, uma pigarra, uma tossinha seca e irritante, serão os novos ventos? Não sei, esse azul me intriga e essa pigarra também, são tempos de incertezas e desconfianças. Um pouco de cinza cairia bem para começar mais esse dia de pandemia. Quantos mortos teremos até o final desse dia? Por que mais ninguém se importa? Por que tanto faz se houver mil ou um mil trezentos e cinquenta e três mortos hoje? E se estivermos nessa contagem hoje ou amanhã? Ninguém se importa, é isso.
Sabe o que mais me revolta em morrer agora? Não ter dito tudo o que eu queria às pessoas, nunca disse nada quando elas me machucaram, foi o famoso: "Deixa para lá, isso não vale a pena...blá blá blá..." Também me revolta não ter dito porque deixei de amá-las, porque desisti de enviar mensagens, desejar feliz aniversários, rir de piadas, debater sobre novos filmes e séries, mostrar o óbvio da vida. Algumas pessoas fizeram um esforço enorme durante toda a vida para nos ferir, impondo verdades idiotas, pensando nas aparências, mesmo sem nunca terem cuidado das suas próprias. Algumas pessoas nem fecham a boca para mastigar suas comidas gordurosas enquanto falam mal de outras pessoas em pleno almoço, as pequenas torturas da vida. Fico feliz em me libertar delas, mas ainda com muita revolta de ter perdido meu tempo de vida assim. Que almas sombrias!
Senti tanta culpa por decepcionar essas pessoas, acreditam? A vida passando e eu, ao invés de tentar desesperadamente ser feliz com os meus princípios e valores, preferi fingir. Agora bem feito! Veio a pandemia com uma doença fatal esfregar na minha cara a grande idiota que sempre fui, perdi minha vida pensando no que os outros que não eram felizes nem sábios, pensariam sobre mim! Pois uma pandemia é pouco para mim, mereço, no mínimo, duas ou três!
O céu continua tão azul, sem nuvem, só a fumaça do meu cigarro que se dissolve ao ar e mantém o azul desse dia. O café está quente e é a melhor companhia desse mundo. Penso em você, e em como eu te desejei, como guardei cada risada sua nas melhores lembranças... Nosso amor sempre aconteceu no futuro do pretérito, aceito.
Já lavei os olhos, apago o cigarro junto ao último gole desse café, um pouco de xarope de mel e própolis para começar o dia vai bem, penso que ainda não será hoje o adeus de tudo, resistirei. Ganho mais esse dia, o céu está tão azul, vocês deveriam ver também, está lindo! Um avião corta o azul rumo ao infinito e tudo se torna realidade. Estou viva!
(Mariana de Almeida).