terça-feira, 21 de novembro de 2017

Dos dias sem fim.

Dos dias sem fim
Trazemos um pouco
De tudo que não teve fim...
Das nossas lutas inglórias
Das nossas poucas vitórias;
Ainda naqueles dias era possível sentir
O prazer de pular com os pés em poças d’águas nas calçadas
Que pareciam maiores que muitos oceanos
Ou eram meus pés pequenos demais para esse mundo?
Ainda com os pés pequenos e o coração gigante
Ouvia os gritos da minha vizinha pedindo socorro
As paredes pareciam abafar as porradas em sua face rubi
O marido, gordo, bêbado e de olhos imensos, não parava nunca
Acho que não parou até hoje...

Eu fui embora de lá ainda menina
Hoje, mulher, ainda ouço a vizinha pedir socorro
E me sinto culpada por não ter feito nada
E me sinto culpada por ninguém ter feito nada
E me sinto culpada por todos os homens gordos e bêbados
E me sinto culpada por ainda ouvir outras vozes, de outras
Mulheres, meninas, senhoras, prostitutas, adictas, bandidas
Minha mãe, minha avó, minha tia, minha filha e eu, sempre eu
No fundo de cada voz, no fundo de cada grito recolhido
No fundo do fundo do fundo de cada estampilho...
Dos dias sem fim

Trazemos um pouco
De tudo que não teve fim
Os meninos nas janelas do carro
Os homens nas esquinas com seus relógios
As mulheres que geram outras para gerarem o mundo
As sementes do passado que resistem e vingam
Mesmo em solo seco, pobre e ocre, renascem!
A violência como doutrinação
O preço dos olhos, do arroz e do feijão
Esse grito de não!
Os amores baratos
As paixões clandestinas
Nosso segredo velado
A verdade fatídica
Dos dias sem fim.



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