A história começou exatamente assim: Natália
navegava na internet sábado à noite enquanto curtia Olívia Ong e degustava seu
vinho tinto sabático.
As
noites de sábado de tempos atrás costumavam ser mais animadas, geralmente fora
de casa e rodeada de amigos, mas ultimamente ela sentia-se bem assim, em casa,
bebendo, ouvindo música e lendo algum livro, quando vez ou outra se perguntava
se algum dia amaria novamente. Não queria se preocupar com isso, afirmava com
todas as letras que era possível sim ser feliz sozinha, se aparecesse alguém
seria para dividir e somar, pois Nati já era mãe e não queria mais contribuir com a dor das
futuras gerações. Na verdade, Nati era bem pessimista quanto ao futuro da humanidade,
sabia que o ser humano era um animal autodestrutivo, egoísta, perverso,
ganancioso e cruel. Suas experiências com o outro resultaram nessas impressões
difíceis de serem moldadas, mas por vezes depois de um pouco de vinho e boa
música, a ideia de amar novamente rondava sua cabeça. Nati se espreguiçava no
sofá, colocava o livro aberto sobre os seios e afundava sua cabeça nas
almofadas enquanto flertava com a possibilidade de se apaixonar.
Sentiu seu celular vibrar, era uma
solicitação de amizade: Nathan deseja ser seu amigo: 05 amigos em comum. Nati
simplesmente aceitou, um a mais ou um a menos não faria diferença na sua vida
social virtual agitadíssima.
Ele
era fotógrafo, aparentava uns 45 anos, cabelos brancos, olhos pretos, um pouco
de barba grisalha e dentes irregulares. O conjunto a agradava, aquele rosto
exalava alguma paz e harmonia, ficou olhando sua foto por alguns segundos
quando veio o primeiro bate papo, ficaram horas conversando, o papo fluiu e a
atração idem, acabou a garrafa de vinho, trocaram histórias e músicas, discutiram poesia e fotografia, riram e se
despediram com alegria. Pena não morarem na mesma cidade, caso contrário, se
encontrariam naquele momento mesmo. Paixão boa é aquela que bate na hora e
não espera a hora certa para sentir. Uma pena, cada um de uma cidade e a vida
real para dificultar qualquer contato e brochar tantas expectativas..
A vida real é esse pacote de frustrações que
carregamos, esse monte de boletos vencidos sem previsão para serem pagos, filho
doente, cachorro no sofá, carro enguiçado, família, ex-marido, trabalho entre
tantas outras coisas.
Uma sensação angustiante no peito, sabia que
devia se dar o direito de simplesmente viver sem a menor obrigação de fazer dar
certo ou errado, simplesmente viver cada momento sem tanta culpa.
Nati foi criada por uma família patriarcal e
machista, todos acontecimentos e decisões dependiam do aval crítico e
extremamente machista do pai, ele fora castrador a vida toda, exercia sua
supremacia contra as mulheres da família que dele dependiam economicamente.
Então, muitas vezes era preciso mentir, esconder, ocultar ou modificar a
realidade para ser aprovada pelo pai, homem que exercia fascínio e asco ao
mesmo tempo, eis um dos primeiros problemas de Nati…daí em diante as coisas só
pioraram.
Ironicamente Nati se casou com um homem
também machista e sexista que a torturava psicologicamente atraindo-lhe a ideia
de suicídio. Mas em tempo, Nati buscou ajuda psiquiátrica e entendeu que não
estava louca e sim estava sendo vítima de muitos abusos há muito tempo. Isso
mesmo, não era ela a doente que não se encaixava na família nem no casamento,
era a sociedade que não a representava, felizmente! Ao entender isso, Nati pediu o divórcio imediatamente, mesmo sendo alvo de muitas críticas e punições do tipo: “Quem
mandou escolher marido errado?”. As mulheres simplesmente aceitam esse tipo de
punição porque ainda estamos em plena Era da Inquisição. A luta feminista está apenas
engatinhando, é preciso mais mulheres conscientes e engajadas para levar informação e apoio à
outras minas, outras manas, outras mulheres e senhoras.
A
libertação da consciência, do livre arbítrio, da livre escolha e do ir e vir se
faziam urgentes. Mas e a prisão econômica? Essa era ainda uma barreira difícil de
ser derrubada, pois, as mulheres trabalham muito, no trabalho e em casa cuidando de sua
família, mas continuam ganhando menos que os homens.
Nati ganhava pouco, mal dava para pagar as
contas do apartamento, já tinha aberto mão de carro e gastos supérfluos, o que
ela não abria a mão era do apartamento e dos estudos da filha. Infelizmente o
ex marido nunca aceitou a separação e como vingança e punição não pagava a
pensão alimentícia em dia, não parava em nenhum emprego, não assumia nenhuma
responsabilidade e ainda atrapalhava a vida da sua ex esposa. Foram muitas idas e
vindas aos advogados, sessões com o juiz da vara familiar e civil, muitos
acordos não cumpridos, muita dor de cabeça e pouco resultado. Dizem que essa
lei funciona no Brasil, mas Nati é a prova viva que não funciona nada! O homem paga a
pensão alimentícia ao filho quanto e quando quer, as leis protegem os homens e
a mulher que dê o seu jeitinho para não faltar o pão na mesa. Nati recorria aos
pais, apesar da humilhação, mas por um filho uma mãe faz o que é preciso,
engole muitos sapos, mas nunca os digere, nunca!
Uma semana depois Nati e Nathan se falavam
diariamente pelo celular, falavam sobre amor, sonhos, viagens e desejos. Nati
não queria entrar em detalhes sobre sua pobre vida sem emoções. As vezes
pensava em bloqueá-lo e esquecer de tudo e seguir com sua rotina de sempre,
esperando pelas noites de sábado para se dar um vinho de presente
enquanto relaxava e curtia as músicas que a faziam sonhar com outra vida.
Nathan já estava fazendo planos, queria que
ela fosse encontra-lo para irem juntos a um show, depois bar e depois passar o
final de semana com ele. Domingo a noite ela voltaria para casa.
Resta saber se Nati vai encarar a aventura amorosa,
com quem vai deixar a filha, quem cuidará do cachorro e da casa sem precisar
dar satisfação para ninguém.
Eis o seu grande dilema. Arriscar ou não?
Eis o seu grande dilema. Arriscar ou não?
(Mariana de Almeida).
Nenhum comentário:
Postar um comentário