Quero contar sobre o nascimento da morte em nossos dias. Sim, há algum tempo, não sei exatamente desde quando, dei de parir mortes. Sei que gestacionei cada uma delas, mas agora que aqui estão eu as renego, não as reconheço e nem mesmo sinto o menor afeto. Está certo, sou responsável pelo seus nascimentos em minha vida, caí na cilada de me encontrar com os mortos e assim prenhei e depois pari!
As mortes são diferentes, cada uma com sua própria personalidade, não tenho como domá-las. Me encantam por serem fêmeas, assim como a vida! Mas depois do breve encantamento, eu as rejeito. Não sou obrigada alimentá-las, meu par de tetas não tem mais sustância nem firmeza para isso, tampouco quero tocá-las ou acostumar-me à presença delas comigo. Sim, eu as gerei, eu confesso! As mortes nasceram e agora me querem como um amor maternal. Estarei sofrendo de depressão pós-morte?
Eu me prenhei da morte quando aceitei seu primeiro tapa em minha face, quando você mandou-me calar a boca para lhe escutar, quando você explicou porque eu era burra demais e gaguejava na frente de todos, entre outras cenas da nossa triste vida.
A segunda vez que me prenhei da morte foi quando aceitei um subemprego o qual não me alimentava nem o corpo e nem a alma, era a sistematização da aniquilação, mas eu continuava porque sou muito fiel e da fidelidade também se pari Mortes.
E mais uma vez pari. Fui à uma festa ao encontro de amores do passado, encontrei quem nunca me encontrou antes, mas prometia-me o depois. Foram tantas emoções, vestidos, malas, viagens e um aeroporto vazio só para mim. Voltei para o meu ponto de partida, quis foder com a morte, prenhei e pari. Agora eu pago este preço!
Com o nascimento das mortes em minha vida, percebi como um acontecimento mal cuidado leva a outro, a outro e depois outro. Uma sucessão de má ideias e desenrola-se um enredo funesto chamado de destino. Por isso, hoje mesmo decidi matar minhas mortes a sangue frio. É chocante, eu sei. Mas chegamos naquele exato momento da linha da vida em que somente eu ou elas poderão seguir adiante. E para salvar a minha vida, pela primeira vez, decidi que serei eu a continuar viva e não as minhas mortes. Despeço-me de cada uma com a lâmina fina e quente da minha navalha chamada alegria. E desta quero me prenhar pelo resto dos dias.
Das mortes, quero o justo sepultamento e o adeus sem falsas memórias.
(Mariana de Almeida)