Tornamo-nos mulheres
À medida que crescemos
E aprendemos a andar pelo mundo
E já desde bem pequena aprendemos
A ocultar nossa beleza, a fechar nossa perna
A medir nossas palavras, a baixar nossa voz
A olhar para trás, a não responder ou zombar
A pensar primeiro nos outros, a recuar
A não encarar nos olhos de alguns homens,
A mudar de calçada, a baixar mais a saia,
A desviar da esquina, a relevar assobios
A não repetir o prato, a lavar toda a louça
A estudar mais, a tolerar mais, a perdoar mais
Sobremesa, nem pensar! Não podemos engordar
Discutir, nem pensar! Não podemos incomodar
Viajar sozinha, não! Não podemos nos arriscar
Trocar o pneu do carro, não! Não temos aptidão
Amar outra mulher, não! Não podemos ser sapatão
Amar várias pessoas, não! Não podemos ser vadias
Ganhar mais que o marido, não! Não podemos aceitar isso
Ser solteira para o resto da vida, não! Não podemos ficar sozinhas
Detestar crianças, não, o que é isso? Todas devemos ter filhos
Falar de política no trabalho, não! Não podemos correr riscos
Ser mulher é usar toda a inteligência emocional para driblar a sorte
Tudo o que nos move instintivamente é o nosso desejo ancestral
De permanecermos vivas; completamente vivas e lúcidas
Nós já apanhamos muito, já nos negaram todo o tipo de sorte
Já fomos queimadas vivas em fogueiras, já fomos abandonadas
Já fomos estupradas, assassinadas, violadas e roubadas
Não se nasce mulher, eu sei
Não se nasce mulher, eu sei...
Ser mulher e não se comportar como mulherzinha, não!
Como ousa negar toda tua doutrinação de mulher?
Como deseja ser respeitada por toda sociedade, então?
Como renega o teu mais sublime privilégio de ser mulher?
Mulher, tu és o esteio dos lares, da famílias e do patriarcado
Tu és nossa joia mais preciosa, nossa papoula do deserto
Nosso lírio da paz, nossa carne mais quente para nos abrigar
O que mais poderia desejar, Mulher?
Mulher, redime-se enquanto há tempo
Não manche teu nome com ingratidão!
Recolha-se e peça perdão por tua tentação
De rejeitar ser uma maldita Mulher!
(Mariana de Almeida).