segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Aos espectadores.

Dei todo o meu ouro, a minha essência
Para quem apenas se divertia
Com o meu grito, com a minha dor
Falei brincando o que era sério
Todos riram e brindaram
Os imbecis queriam pão e circo
Eu, em pleno Coliseu, entre os leões,
Sabia que com palavras não venceria
A morte.


15.10.2018.

A imagem pode conter: atividades ao ar livre

Sós.

Quer isolar-se? Questione-se.
Mas não se iluda, somos sós!
Do útero aos sete palmos da terra
Sós, absolutamente sós
Compartilhamos apenas
Quando eles permitem
Ideias, espaços e afetos
Ou quando eles não sabem de nós.


15.10.2018

Papai e mamãe.

Papai morre de medo da violência
Por isso enche a casa de cadeados
Papai morre de medo da vida
Por isso fica trancado no quarto
Noite e dia evitando perigos
Papai compra carro de luxo
E depois tem medo de colocá-lo
Para andar na rua, absurdos
Talvez traumas da ditadura...
Mamãe ainda é da monarquia
Tem uma sala de luxo vazia
Sempre a espera de visitas
Que nunca viriam
Tão triste, tão vazia, tão antiga
A poeira e o tempo fizeram proveito
Da sala de visitas vazia
Enquanto a família perecia
Sem um amigo, sem um bandido...


15.10.2018

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Passado.

Agora roubaram o passado
Esqueci a memória
Em algum canto da sala
Agora me perdi para sempre
Se não sei quem eu era
Como encontrar quem seria?
Agora está tudo confuso
Não me parece ser o futuro
Tudo tão parecido com o que já foi um dia
Tão diferente do que era certo para ser
Agora me pararam na rua
Insistem em me incomodar
É a polícia, eles não me deixam em paz
Me pararam em uma blitz
Me colocaram uma arma na cabeça
Sim, é uma arma, parece um fuzil
O comandante começa a gritar
Ele me pergunta tantas coisas que não sei
Eu realmente não me lembro de nada
Ele me pede a identidade
Eu a perdi, não adianta mais procurar
Não sei onde a deixei pela última vez
Esqueço-me lentamente de tudo
Mas lembro-me da palavra futuro
Fuzilada à queima roupa bem na minha frente
Ataque soviético, eles diziam e riam
Meu corpo tremia
Eu estava surda do presente
Eu estava morta para sempre
Impossivel lembrar de quem fui
Eu só queria um cigarro
O último cigarro, eu sei
Seria o melhor de todos
Eu agradeceria, sempre agradeci
Eu não poderia mais lembrar
Só me restava esquecer
Para sempre no passado
A minha identidade
Morta.

Imagem: Cena do Filme "Ensaio sobre a cegueira", inspirado no livro de mesmo título do José Saramago,  filmado em são Paulo, nas margens do Rio Pinheiro.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas em pé, arranha-céu, céu e atividades ao ar livre

Sonhos.

É alto o preço
Que pagamos
Pelos sonhos
Que não consumimos;
E pelos bens
Que compramos
Ao vendermos
Nossas almas
No mercado clandestino
Da felicidade
Inatingível.

♫ I'm in heaven

As guerras são sempre
Profundamente devastadoras
Levam corpos, almas, peles
Olhos, lágrimas, abraços, mãos
Levam tua casa, tuas coisas
Aquele teu disco preferido
O teu livro de estimação
A tua fotografia preferida
As guerras levam nossa alegria
Nosso desejo por pipoca, cinema
Matam nossa sede de amor e de cerveja
A guerra traga o nosso último cigarro
E joga as bitucas ainda acesas pelo chão
A guerra desarrumou para sempre meus cabelos
Minha cama, meu armário de coisas inúteis
A guerra debochou das minhas poucas coisas
A guerra fez estragos e não terei mais tempo
Deixarei tudo para depois
O quarto, a cama, os cabelos
As guerras são assim,
Uma tempestade de areia
E meus olhos estão fartos
Deixo para vocês o final da vitória
Fico com Ella and Louis Armstrong
Now, I am in heaven ♫
Heaven, I'm in heaven ♫
And my heart beats so that I can hardly speak ♫
And I seem to find the happiness I seek ♫
When we're out together dancing cheek to cheek ♫♫


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