sexta-feira, 27 de abril de 2018

Eu não poderia amar aquele homem.

   Eu não poderia amar aquele homem, eu bem que tentei, até que ele me seria útil e me faria companhia nas horas mais vazias, fizesse eu o que fizesse, lá estaria ele me esperando e eu sem interesse algum de lhe ser fiel, não da carne, mas dos pensamentos, da carne também, cá entre nós. Faltava algo de essencial naquele homem, um fogo, um sarcasmo, um "feeling" sobre as coisas mundanas que me aterrorizam tanto. Detesto pessoas pacatas, mornas, sem ódio, sem dor e sem guerras. Enfrentei algumas e me apeguei à elas e aos inimigos mais cruéis. Aquele que lhe talhe a carne é o mesmo que a lambe e costura depois com resignação. Eu quis a paz, a conheci algumas vezes, mas me fazia pensar em suicídio enquanto na guerra é preciso estar atenta para sobreviver.
   Eu não poderia amar aquele homem porque ele era bom e eu sou má, eu me canso das coisas boas, eu me canso do luxo e eu me canso de ser feliz. Eu não esqueço da minha dor de estimação, foi ela quem esteve comigo enquanto eu devia ser uma menina. E aquele homem cheio de ternura e bondade nos olhos não poderia entender quem não sou, ele buscaria sempre pela outra. Não, não posso enganá-lo, não quero. Não quero mais.
   Ele dizia amar minha poesia, e eu sabia que seu amor era inocência e beleza, por isso ele não poderia entender. E eu o odiaria para sempre por isso. Tudo desfeito, eu não poderia jamais amar aquele homem, porque do amor eu só conheci a dor e o desejo de amar sem medo do depois.
   Eu não poderia amar aquele homem porque ele era bom e da bondade só me resta horror.


(Mariana de Almeida).




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